Duas Viagens

O viajante rodeado de espelhos e o O viajante com uma venda nos olhos




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O viajante rodeado de espelhos

Um outro viajante possível: aquele que sai para uma viagem pelo mundo, mas vai dentro de um compartimento cheio de espelhos. E não sai de lá. Anda por todo o mundo mas fica fechado num veículo de transporte que não tem janelas.

Olha em volta e só vê espelhos ou seja: só se vê a si próprio. Vai para África, Ásia, América do Sul, Austrália, corre o mundo inteiro, passa pelas mais diferentes paisagens, passa pelos mais estranhos animais, pelos homens de costumes mais distantes de si, mas tudo o que vê, fechado que está na sua cabine de espelhos, é a sua própria imagem – os seus olhos, a sua boca, o seu corpo.

Fica então convencido de que o mundo inteiro é muito parecido com ele próprio. Fica convencido de que o mundo inteiro foi feito à sua imagem e semelhança.

- O mundo é igualzinho a mim – repete ele.

- As paisagens mais distantes têm exatamente a minha cara – murmura, todo contente, este viajante.

Porém, no fundo, o que este viajante queria ver era se ele próprio mudava com as viagens. Pois era isso que lhe tinham prometido – as viagens mudam as pessoas!

Mas pelo espelho ele confirmou que não. Confirmou que tinha o mesmo aspeto exterior – a mesma cara, os mesmos olhos – quer estivesse em África ou na Austrália. (Pensava que ficaria com a pele escura quando entrasse em África, ou com os olhos rasgados à chinês quando entrasse na China, mas percebeu que não.)

- Para quê, então, viajar se eu não mudo de aspeto exterior – murmurava ele.


O viajante com uma venda nos olhos

Um outro viajante decidiu partir com uma venda nos olhos. Viajar pelo mundo inteiro, sim, mas com uma venda nos olhos.

É verdade que pelos ouvidos ele percebia que estava noutro país – a língua mudava, mas não só – os próprios sons da cidade eram diferentes, caso se tratasse de uma cidade europeia ou indiana, por exemplo (os animais que andavam na rua eram bem diferentes e por isso, em certos sítios, ele ouvia ladrar – porque havia cães - noutros sítios ouvia muu – porque havia vacas).

E também os cheiros eram diferentes - e a gastronomia que ele saboreava, de olhos vendados, era também bem distinta.

Este viajante, no fundo, quis conhecer o mundo – mas não através das imagens. Quis conhecer o mundo tapando os olhos para que os ouvidos, o tato, o olfato e o paladar pudessem ser os sentidos mais importantes.

Só chegado de novo a casa é que este estranho viajante decidiu tirar a venda dos olhos.

- Não vi nada do mundo, dizia ele no seu regresso, mas comi.

- Não vi nada do mundo, dizia ele no seu regresso, mas ouvi.

- Não vi nada do mundo, dizia ele no seu regresso, mas cheirei.

- Não vi nada do mundo, dizia ele no seu regresso, mas toquei em muitas coisas novas.

E sim, estava decidido, no próximo ano ele faria uma outra viagem de olhos vendados. Estava cansado de imagens.

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