Por exemplo
Escrito por Gonçalo Tavares Domingo, 15 Julho 2012 | Visto - 7586
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O senhor X gostava de olhar para as coisas e para os acontecimentos sempre a partir de um ponto de vista diferente. Parecia que estava a ver as coisas enquanto fazia o pino ou enquanto pensava noutro assunto. As suas definições eram estranhas.
- Por exemplo, para o senhor X os relógios eram aquários que tinham peixes amestrados. Três peixes amestrados: os ponteiros das horas, minutos e segundos.
- Por exemplo, para o senhor X uma cascata não era mais do que uma garrafa grande de água que se havia entornado, algures, lá em cima.
- Por exemplo, para o senhor X dançar era uma maneira estética das pessoas se enganarem no caminho.
- Por exemplo, o senhor X não acreditava na existência de nevoeiro. Dizia, sim, que havia dias em que os olhos dos homens estavam mais embaciados. Não é nevoeiro, dizia, é miopia passageira.
- Por exemplo, o senhor X dizia que as lanças eram as cartas agressivas da antiguidade. Como os correios não funcionavam, em vez de enviarem insultos por carta, mandavam lanças, uns aos outros.
- Por exemplo, o senhor X considerava que o aspirador transportava tempo negativo, pois fazia a situação voltar para trás. Quando as migalhas do pão desapareciam do chão, o senhor X - se não sentisse ainda um leve aconchego no estômago provocado pelo pão ingerido - juraria que nunca tinha existido um pão naquela sala. O aspirador tem um efeito semelhante à amnésia, dizia o senhor X. É uma borracha que apaga as coisas que ocupam volume, dizia o senhor X.
E o senhor X tinha manias, claro.
- Por exemplo, o senhor X nunca levava uma cadeira quando ia de viagem porque acreditava que com esse objecto na bagagem a viagem teria muitas interrupções, pararia muito. Da mesma forma, nunca guardava malas de viagem na arrecadação da sua casa pois tal provocaria nele - e na própria casa - um desassossego, uma vontade de viajar, que seria pouco controlável. Em casa todos os objectos devem incitar ao repouso, e em viagem todos os objectos devem incitar ao movimento. Era uma máxima do senhor X.
- Ainda, e por exemplo, para o senhor X uma árvore no meio de uma floresta só crescia para cima porque não havia espaço para os lados. Para o senhor X, se uma única árvore fosse plantada no centro de dez mil quilómetros de planície, ela tenderia a crescer, não para cima, mas para os lados. Porém, se as coisas crescessem na horizontal em vez de crescerem na vertical já não haveria espaço para ninguém. Assim, as coisas crescem, de uma forma geral, na vertical porque a extensão de ar é bem superior à extensão de terra. Era o que dizia o senhor X.
Para o senhor X era também o que acontecia com as crianças nas grandes cidades. Cresciam para cima porque para aí é que havia muito espaço.
Isto era o que pensava o senhor X. E isto são só exemplos.