Ter ou não ter mais um (a) filho (a)
Escrito por Enrique Pinto-Coelho Sexta, 13 Janeiro 2017 | Visto - 17879
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Até hoje, nunca ouvi falar de dois anjinhos ou de dois diabinhos consecutivos. O contraste radical entre irmãos – provavelmente exagerado pelos pais, mas ainda assim – é uma das regras não científicas mais fiáveis que conheço
Antes de abordar o dilema anunciado no título desta crónica, convém esclarecer que não estou encostado à parede e que, sendo uma decisão plenamente livre e consciente, é também hipotética – pelo menos, por enquanto. Mas a dúvida existe, está no ar, e suscita em mim todo o tipo de argumentos a favor e contra.
Comecemos por estes últimos. O mais abstrato e remoto tem a ver com a sustentabilidade da população humana no planeta: 7425 milhões no momento em que escrevo, um número ao qual temos de acrescentar mais duzentos mil habitantes (o equivalente a uma cidade do tamanho de Cascais) a cada dia que passa.
A segunda razão que me anima a ficar por aqui é que já sou pai e, até ver, correu tudo de feição. A lei de Murphy, aplicada aos filhos, implica o seguinte: se o primeiro foi um anjinho (e o Guilherme está neste grupo), o segundo dificilmente o será. Podem achar que estou a ser supersticioso, e terão razão. Mas, até hoje, nunca ouvi falar de dois anjinhos ou de dois diabinhos consecutivos. O contraste radical entre irmãos – provavelmente exagerado pelos pais, mas ainda assim – é uma das regras não científicas mais fiáveis que conheço.
Esta breve lista de contras termina com um argumento tão irritante quanto usado no nosso tempo: “been there, done that”. Apesar de ter sido pai só uma vez, a filha da minha namorada é bastante mais nova que o meu filho, e desde há dois anos estou a percorrer, praticamente de novo, todo o tabuleiro (como acontece às vezes no jogo da glória): fraldas, banhos, carrinhos, colos, cadeirinhas, birras, noites mal dormidas...
Há ainda questões financeiras nada desprezíveis a considerar. Diz-se que “cada filho traz um pão debaixo do braço”, mas aí estaríamos a entrar, novamente, no terreno do miraculoso ou sobrenatural.
No campo dos prós, as hostes também não andam mal apetrechadas. O primeiro ponto a favor é simples: nada, nenhum projeto ou realização, é comparável ao milagre de gerar uma vida humana. Admito que pode soar um pouco lamechas, mas só quem nunca passou pela parentalidade pode ignorar a sua dimensão quase sagrada. Não se trata apenas da euforia que acompanha uma nova vida, ou da vaga de alegria e otimismo que toda a criança, salvo raras exceções, traz consigo. É também, e sobretudo, o amor incondicional e sem prazo de validade.
É verdade que já desfiei anteriormente muitas das vantagens de ser pai, mas o que está em causa aqui é sê-lo por segunda vez. O psicólogo Eduardo Sá afirma que (só) nos tornamos pais com o segundo filho. “Com o primeiro mistura-se tudo: a infância que tivemos e a que queríamos ter tido”. Ou seja, da primeira vez teríamos uma espécie de licença provisória, a carta definitiva seria emitida a partir da segunda paternidade.
Não sei. Confesso que o que mais me atrai, como tantas outras vezes, é a novidade, a possibilidade de criar algo diferente. Mas a novidade estaria garantida fosse qual fosse o resultado de uma gravidez, e isso obriga-me a revelar o que gostaria mesmo de ter, caso decida dar o passo: uma menina. Infelizmente, é uma escolha que só seria possível se o acaso biológico trabalhasse às minhas ordens – algo que, felizmente para todos, não acontece.
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