“O parto na água é melhor para a mãe e para o bebé”

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A parteira Barbara Harper, fundadora da Waterbirth International desafia os hospitais públicos a aderirem a esta opção.

Barbara Harper é enfermeira, parteira, doula, educadora perinatal e fundadora da Waterbirth International, organização que promove o parto na água e confere certificados aos hospitais que têm condições para o nascimento em meio aquático. Com 65 anos, a norte-americana já assistiu a cerca de mil partos, 600 dos quais na água. Agora dedica-se a viajar pelo mundo (já esteve em 61 países) a ensinar os benefícios do parto na água, que, segundo diz, é a melhor forma de se nascer. Tem três filhos (dois deles nascidos na água, “quando ainda ninguém falava em tal coisa”) e um neto.


O parto na água é completamente seguro?

Barbara Harper: Sim, não há qualquer dúvida. A Waterbirth International conduziu uma meta-análise que incluiu toda a literatura publicada sobre parto na água, o que se traduziu em 82 mil partos na água analisados. Os resultados demonstraram que o parto na água é mais fácil para as mulheres e melhor para os bebés do que o parto na cama. Diminui a taxa de cesariana, aumenta a capacidade de a mulher dar à luz naturalmente e aumenta a produção de hormonas relacionadas com a sensação de prazer. Em relação ao bebé, quando se analisam todos os parâmetros, como o índice de Apgar, internamento em unidades neonatais, infeções ou dificuldades respiratórias, as complicações no parto na água são tão raras, que são quase irrelevantes.


Mas pode dar algum número?

B. H.: Extremamente raras. Podemos dizer que em cem partos, talvez um tenha uma complicação, mas não será por causa da água, mas sim devido a algum profissional de saúde que não estaria bem treinado, que provavelmente estaria com medo ou que fez algum erro de avaliação. Eu costumo dizer que a água não prejudica os bebés, mas pessoas estúpidas sim. Não é que a intenção seja prejudicar os bebés, mas a água é uma ferramenta, tal como uma bola de Pilates ou um rebozo, e é preciso saber usá-la e saber as indicações e as contraindicações que existem, saber em que casos o bebé pode nascer na água e em que casos é preciso pedir à mãe para sair da água. Por isso, a Waterbirth International criou guidelines para o parto na água.


Então por que razão há tantas dúvidas e medos em relação ao parto na água?

B. H.: O que costumo dizer nas minhas aulas e workshops é: “Se nunca assistiram a um parto natural, então, por favor, façam isso primeiro. Entendam que é possível que uma mulher dê à luz sem precisar que ninguém intervenha. Façam isso 50 vezes e depois adicionem água”.


Muitos profissionais de saúde já não sabem o que é um parto natural...

B. H.: Sim, a mulher entra no hospital, pomo-la na na cama, fazemos dela uma paciente, pedimos-lhe para obedecer... Não sou contra o parto no hospital, mas a atitude devia ser diferente. Devia dizer-se à mulher: “Aqui é o quarto onde o teu bebé vai nascer e estamos aqui para ajudar-te se precisares de nós”. A única forma de a mulher ter um parto fácil e maravilhoso é ter uma educação pré-natal realmente boa e confiança em si própria. Assim, quando chega ao hospital está pronta para parir, para deixar o bebé sair, em vez de querer que alguém lhe tire o bebé do corpo. Uma mulher “empoderada” sabe que o parto faz parte do seu desenvolvimento psico-social-sexual, que faz parte do crescimento como mulher. Tal como o sexo. Se uma mãe disser à filha que o sexo é horrível e doloroso, ela nunca vai querer ter relações sexuais. Mas a sociedade libertou o sexo e agora podemos ter prazer com o sexo e fazer com quem quisermos e como quisermos. O mesmo se passa com o parto: é preciso dizer às mulheres que o parto pode ser uma experiência muito agradável.


A grande questão em relação ao parto na água tem a ver com o bebé: quando ele nasce na água, não há possibilidade de se afogar?

B. H.: Não. Deixe-me tentar explicar: quando o bebé está pélvico, os pés saem primeiro e a cabeça fica lá dentro. Esse bebé vai sufocar? Outro exemplo: se o bebé nascer dentro do saco amniótico, esse bebé vai afogar-se? Dentro da barriga, o bebé não respira pelos pulmões. Os pulmões estão cheios de fluidos. Só quando a pressão muda e o bebé entrar em contacto com o ar é que os pulmões se enchem de ar.


E se passar pela água essa passagem torna-se mais suave?

B. H.: Sim. Quando o bebé está no útero, o líquido amniótico fornece-lhe aquecimento, proteção, nutrição e oxigénio. Quando o bebé nasce na água, a água fornece-lhe aquecimento e proteção e o cordão umbilical continua a dar-lhe nutrição e oxigénio. Depois, a mãe pega no bebé e leva-o para o que eu gosto de chamar o santuário. O santuário é o peito da mãe e, aqui, a sua pele dá-lhe aquecimento, a amamentação dá-lhe nutrição, os braços da mãe dão-lhe proteção e o oxigénio vem da atmosfera. E assim, o nascimento é apenas uma transição suave do santuário do útero para o santuário do peito da mãe.


Já vimos que o parto na água tem muitas vantagens, mas defende que deve ser para todas as mulheres?

B. H.: Não, o parto na água deve ser uma opção e nunca deve ser o objetivo. Pode acontecer a mulher ter que sair da água para o bebé nascer e isso não é um falhanço.


O parto não é só sobre fazer nascer bebés…

B. H.: É ajudar a mulher a encontrar-se consigo própria, a aceitar que o bebé vai sair, quer ela queira quer não, independentemente do que alguém lhe fizer. E acho que nós, da classe médica, durante muito tempo, quisemos ficar com a obrigação de tirar o bebé da barriga. Num dos meus workshops em Taiwan, uma enfermeira que trabalhava num hospital há 20 anos disse que antes de vir ao meu workshop sabia qual era o seu trabalho: era tirar o bebé de dentro da mulher o mais depressa possível, para que a mulher sofresse o menos possível. Mas, depois do workshop, percebeu que o seu trabalho era criar um ambiente onde a mulher se sentisse bem para deixar o bebé sair e assistir a mulher para ela dar à luz sozinha.

Como é que o parto pode afetar a vida da mulher?

B. H.: O parto pode alterar a sua capacidade de ser mãe, de ter mais filhos e mesmo a sua capacidade de ser um ser humano funcional. Enquanto não percebermos que um parto pode ter um impacto deste tamanho nada vai mudar. O parto é uma experiência vital para a saúde e bem-estar de todas as pessoas. Depois do nascimento, a presença do bebé no santuário condiciona o cérebro da mãe e se os dois são separados ela não criará os processos neurológicos e químicos que são necessários para que, por exemplo, a amamentação corra bem e para cuidar do seu bebé. Muitos estudos associam a depressão pós-natal ao facto de separarem mães e bebés após o nascimento. A forma como, muitas vezes, a mulher é tratada no parto, sem respeito pelas suas preferências, destrói a sua confiança em relação às suas capacidades de ser mãe. Enquanto perpetuarmos a violência obstétrica não teremos uma sociedade saudável.

Como podemos começar a mudar isso? Terão de ser as mulheres, os médicos?

B. H.: Todos temos de trabalhar em conjunto. Começa com educação, educação e mais educação. Todos os dias saem novos estudos e hoje em dia é tão fácil ter acesso a esses estudos na internet. Sobre a importância de atrasar o corte do cordão umbilical, sobre o microbioma, sobre parto na água, sobre o contacto pele com pele, etc. Os pediatras, os obstetras, enfermeiros, médicos, todos têm de trabalhar em conjunto. Podemos comparar o impacto do ambiente no parto com o impacto do ambiente no planeta. Ambos poderão ter uma grande diferença nas pessoas e no mundo.


Qual o melhor conselho a uma mulher grávida?

B. H.: Penso que foi Aristóteles que disse: “Conhece-te a ti mesmo”. Ou seja, conhece o teu corpo, conhece a tua história, como nasceste, sabe o que queres. Aceita o parto na tua cabeça, porque o parto acontece entre as orelhas, não entre as pernas. Aceita o parto como parte da tua jornada sexual, como parte da tua jornada humana, e o pai também, claro, o trabalho não é só da mulher. O parto é sempre transformação, às vezes pode ser doloroso, mas irá sempre transformar-te. Seja a primeira vez ou a 12ª vez irá sempre transformar-te fisicamente, emocionalmente, espiritualmente. Por isso, abraça-o. E os profissionais que assistem o parto devem ser apenas testemunhas. Outro conselho que posso dar é conhece o teu bebé, desde o dia da conceção. Durante a gravidez, fala com ele, vincula-te com ele, conhece os seus ciclos de sono. Os estudos demonstram que as mães que se ligam mais aos bebés na gravidez têm partos melhores.


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