“O parto é um processo familiar e não médico”


Antropóloga, parteira, ativista do parto natural, a mexicana Naoli Vinaver tem corrido mundo demonstrando as vantagens de ter um filho em casa. Nas suas conferências, associa o parto a sensações maravilhosas, à família, ao amor, admitindo que parir pode até tornar-se um vício. Em entrevista à PAIS&filhos, num português quase perfeito, explicou algumas das suas técnicas, desdramatizou as dores de parto e criticou as intervenções excessivas que se fazem nos hospitais. A forma doce e entusiasta com que fala do parto natural é contagiante. Capaz de deixar qualquer mulher sem medo desse momento habitualmente tão temido.


Na sua atividade como parteira, só tem acompanhado partos em casa?

Especializei-me em parto domiciliário há 20 anos. E, em mais de 800 partos, assisti apenas a dois nascimentos no hospital.


E o que justificou esses dois partos hospitalares?

Aconteceram quando visitei o Brasil. As colegas brasileiras pediram-me para ir a um hospital mostrar como eu atendo um parto, ou seja, com muito menos intervenção do que o que elas estavam habituadas. E mostrei que é possível aplicar as minha técnicas de parto domiciliário num hospital. Elas ficaram de boca aberta.


O que é que lhes ensinou?

Por exemplo, eu coloco azeite no períneo para evitar lacerações. Funciona como uma lubrificação. No hospital não há azeite, então o que eu fiz foi não deixar a bolsa rebentar até sair a cabeça do bebé e, depois, deixei a bolsa junto do períneo para protegê-lo.

Outro exemplo: no hospital eles cortam o cordão umbilical do bebé imediatamente. Para mim isso é uma loucura. A criança precisa de oxigénio e a placenta funciona como uma dupla-segurança. Quando o bebé nasce, os pulmões começam a trabalhar fazendo um grande esforço respiratório. Mantendo o oxigénio do cordão e dos pulmões garante-se que não falta oxigénio ao bebé de jeito nenhum. Cortar logo o cordão umbilical exige um grande esforço da criança, porque o seu organismo ainda é imaturo e vai ter de entrar em ação antes de estar pronto. E isso pode provocar angústia e ansiedade no bebé. Se esse processo fisiológico for respeitado, a criança nem vai chorar, porque vai começar a respirar calmamente, abrir os olhos, olhar para a mãe. Tudo tranquilamente.


Quando é que deve cortar-se o cordão umbilical?

O cordão deve cortar-se depois de terminar de pulsar. Porque o cordão tem vida. Quando estiver vazio de sangue pode cortar-se. Dura cerca de 20, 30 minutos. E aqui pode ver-se como a natureza é perfeita, porque durante esses 20, 30 minutos ninguém vai tirar a criança do colo da mãe, uma vez que ainda estão ligadas. E se a mãe for a primeira a pegar no bebé, ele vai ficar colonizado pelas bactérias da mãe, que são também as suas bactérias, em vez de entrar em contacto com as bactérias do mundo, para as quais não tem imunidade. Isto diminui as hipóteses de o bebé ficar doente, pois fica mais forte e protegido. São detalhes fisiológicos que dão apoio ao bebé.


Esses detalhes fazem parte de um parto humanizado? O que é para si um parto humanizado?

É, principalmente, um movimento de não intervenção. Intervir só quando for mesmo necessário e não apenas por causa de um protocolo antigo, que não tem em conta as pesquisas dos últimos tempos sobre a fisiologia do parto.

O movimento de humanização do parto inclui o antigo, que garante um conhecimento e uma experiência dentro da fisiologia e dentro da natureza, mas também o moderno, que tem o potencial de salvar vidas, de passar sobre obstáculos. É para isso que servem as técnicas modernas e não para serem utilizadas sempre, apenas por ser conveniente para o profissional. Agora é o tempo de questionar. Porque é que vamos fazer isto? É porque é realmente preciso ou é porque estamos habituados a fazer?


E isso é possível num hospital?

Acho que sim. Se a mulher se sentir respeitada, se se sentir admirada pelas pessoas que estão a atendê-la. Se lhe for dada a possibilidade de pegar na criança no momento em que ela sai do corpo dela. Se ela puder amamentar, sem obstáculos. Pode ser no hospital.


Como é um parto domiciliário assistido por si?

Começa com a relação entre a parteira e a mulher, algo que se vai construindo durante a gravidez. De preferência, esta relação deve incluir o pai e os outros filhos. A parteira vai acompanhando e aconselhando sobre o que fazer, por exemplo, se a mulher sentir algum incómodo como dores nas costas. É um acompanhamento que inclui o crescimento do bebé dentro da barriga, tocando na barriga o tempo todo e sentindo a pulsação do bebé sem necessariamente precisar de um ultrassom.


Sem ecografias?

Algumas mulheres que eu acompanho não fazem ecografias. A parteira pode sentir se a criança está numa boa posição, se tem o tamanho correto, se tem suficiente líquido, se está crescendo bem. A parteira pode fazer todo o cuidado pré-natal e só se a mulher tiver uma diabetes ou uma pré-eclampsia é encaminhada para o médico. Mas o mais importante é criar uma parceria entre a mulher e a parteira, para que a mulher se sinta confiante, à vontade. No dia do parto essa confiança vai ter um clímax que permite à mulher relaxar durante o parto e deixar que o seu corpo funcione naturalmente num complexo processo que inclui hormonas e emoções. Mas tem de haver um relaxamento. Uma mulher stressada, com adrenalina a mais no corpo não consegue deixar o processo do parto adiantar.


Como é que se consegue esse relaxamento?

Esse relaxamento cria-se desde o início da gravidez, durante o cuidado pré-natal, à medida que se vai ganhando confiança na parteira. Cada consulta pré-natal com a parteira vai durar pelo menos uma ou duas horas com a mulher. Vão rir juntas, chorar juntas. Porque às vezes é preciso chorar medos, inseguranças, conflitos emocionais. A parteira vai ajudar a mulher a perceber que no momento do parto terá capacidade suficiente para ter um bebé.


Como deve ser o ambiente em redor da mulher num parto ideal?

Com a presença da família da mulher. Mas têm de ser pessoas que estejam de acordo com o parto em casa e que compreendam que pode demorar muito tempo. Ou seja, não existe uma fórmula, é fundamentalmente, acompanhar com apoio e amor, pacientemente. Podem ser três pessoas, podem ser mais. Só é preciso que estejam felizes por acompanhar o parto e não nervosas ou com medo.


A presença do pai é imprescindível?

Eu acho que o acompanhamento do pai é uma coisa boa. Para a mulher, ter o parceiro perto ajuda muito, dá segurança, dá calor. O parto é o clímax do que do começou nove meses antes. Não é um processo médico. É um processo mais familiar do que médico. Está relacionado com a família, com as emoções, com o amor que deu lugar à família. É um processo tão impressionantemente perfeito, tão forte e maravilhoso, que ter a possibilidade de partilhar esse momento com o parceiro vai trazer riqueza à relação. Claro que alguns pais não conseguem relaxar e esses não são bons elementos para acompanhar os partos, mas a maioria consegue transmitir emoção, amor, solidariedade e quer não só acompanhar, mas também fazer parte de um momento único, especial, que o marca como homem e como pessoa.


Nas suas conferências fala da importância de resgatar o aspeto sexual do parto. Como é que explica esse lado sexual do parto?

A minha experiência diz que quando a mulher tem uma boa relação sexual com o parceiro as suas hormonas fluem muito melhor durante o parto. Os canais da sexualidade são exatamente os mesmos do parto. Então, uma mulher que tem uma vida sexual ativa durante a gravidez, terá um parto melhor. Uma mulher que não tem parceiro, que não tem orgasmos, que tem um trauma por causa da separação com o parceiro, não vai ter um parto tão bom ou tão rápido, vai existir uma dificuldade, um obstáculo que vai ter de ser ultrapassado. Se a mulher tem uma sexualidade aberta, posso garantir que o parto, quase sempre, vai ser muito bom.


Muitas mulheres questionam a segurança de um parto em casa. Como é que se pode garantir essa segurança?

Para um parto em casa, levamos oxigénio, medicamentos, soro, materiais para massagens, óleos, medicamentos homeopáticos, material para romper a bolsa, se for mesmo preciso. Como já disse, o bebé até pode nascer dentro da bolsa. Ou seja, levamos quase tudo o que há num hospital. Mas quando a mulher tem a possibilidade de caminhar, de dormir, de tomar um duche ou um banho, quando ela tem todas as possibilidades de se expressar e de realizar as suas necessidades, quase nunca é necessário intervir. Muitas vezes eu tenho de trocar os meus remédios porque já passaram do prazo. Mas claro que é importante ter os medicamentos, para uma situação de emergência. Ninguém pode garantir a vida, nem dentro do hospital, nem fora. No entanto, já existem estudos que asseguram que um parto domiciliar planeado tem iguais ou menos riscos do que um parto hospitalar.


Pode explicar porque é que isso acontece?

Porque as bactérias e os vírus que existem no hospital não são da mulher, não são da família, e podem colonizar o bebé e provocar-lhe uma infeção que ele não tem recursos para combater. Cada intervenção médica, seja a indução ou a raspagem dos pelos púbicos, é uma possibilidade de infeção.

Quando se inicia uma indução, sem que o organismo da mulher esteja maduro para o parto, ela poderá ficar oito horas com contrações que não evoluem. Depois dessas horas vai ficar exausta, o médico dela também vai ficar exausto, o marido também vai estar cansado. O ambiente já não é propício para um parto normal. A mulher vai estar tão cansada que vai pedir uma epidural. Com a epidural não vai ter energia, nem oportunidade de caminhar, nem de empurrar o bebé. E terá de ser o médico a dizer quando deve fazer força. Se o bebé não estiver descendo, se for muito grande ou se o quadril da mulher for estreito, a posição vertical poderia ajudar. Mas, como a mulher está sob o efeito da epidural e está cansada, vai ficar deitada e o médico vai tentar ajudar o bebé a nascer utilizando fórceps. Se mesmo assim, o bebé não descer e, uma vez que a mulher está deitada, o bebé pode entrar em sofrimento fetal. Então faz-se uma cesariana de emergência, que não teria sido necessária, se não tivesse existido a primeira intervenção. É também por isto que os estudos concluem que o parto em casa pode ter ainda menos riscos do que um parto no hospital. Porque existem menos possibilidades de ocorrerem intervenções desnecessárias, o que aumenta o risco de saúde para a mulher e para a criança.


Que balanço faz dos 800 partos a que já assistiu em casa?

A grande maioria das mulheres repete o parto domiciliar na gravidez seguinte porque viveu um momento familiar, afetuoso. De cem mulheres que querem um parto em casa, 95 conseguem-no. Cinco vão precisar de analgesia ou de cesariana e terão de ir para o hospital. 95 têm um bebé em casa, com as suas famílias. Mesmo que seja cansativo, ter um bebé dá uma energia e uma vitalidade à mulher que fazem esquecer o cansaço.


Nos partos em casa como é a vivência da dor?

Eu acho que o que a maioria das mulheres sente durante o parto é uma dor pouco vulgar. Uma dor com uma qualidade muito diferente da dor provocada por um acidente ou por uma doença. Uma dor que muitas mulheres descrevem como um calor. É talvez uma onda de intensidade, mas não se pode chamar dor. Os intervalos das contrações servem para descansar e é também nesses momentos que se produzem as endorfinas, um tipo de droga natural do corpo, que alivia a dor. A mulher vai ter um olhar diferente, muito introspetivo, muito interior, vai concentrar-se dentro dela. É muito bom ver uma mulher assim e é muito bom sentir isso como mulher parturiente. Quando o bebé começa a empurrar, essa dor altera-se e vai para o reflexo de fazer força. Nesta altura, a dor diminui muito. E quando o bebé está a nascer é um prazer enorme. Algumas mulheres têm sensações sensuais. Muitas dizem que foi um enorme prazer, que foi um gozo sentir o bebé a sair do corpo delas.


Mas o maior medo do parto continua a estar relacionado com a dor…

Não acho que seja uma dor que deva dar medo. É quase para ficar adicta. Como acontece com as pessoas que gostam muito de desportos radicais. Essas pessoas também sentem adição porque essas atividades estimulam no corpo a adrenalina, estimulam uma sensação de prazer enorme e proporcionam níveis muito altos de endorfinas. É natural que nos primeiros metros de corrida ou de natação se sintam cansadas, mas se elas conseguirem ultrapassar esse cansaço, começam a criar-se dentro do corpo níveis de endorfinas enormes e um grande prazer. É uma sensação maravilhosa. E é o que acontece no parto. No princípio, a mulher pode sentir que dói, duvidar se vai conseguir, pensar que não quer mais dor, mas se conseguir afastar esses pensamentos, vai chegar o momento em que as endorfinas vão tomar conta dela e ela vai deixar de se queixar e entrar numa sensação muito profunda que dá prazer. Conheço muitas mulheres que me dizem: se fosse só para parir, eu tinha muitos mais.


Como é que uma antropóloga com uma tese sobre dança chega a parteira e ativista do parto natural?

Desde criança, tenho um interesse muito especial pela gravidez e nascimento dos animais. Cresci numa quinta, com cães, gatos, galinhas, coelhos, vacas, e, curiosamente, todas as fêmeas acabavam por parir no meu colo. Quando comecei a estudar antropologia, achava que esta ligação ao nascimento era apenas uma parte da minha vida de criança. Mas, por volta dos 20 anos, quando estava a terminar a minha tese, comecei a sonhar com partos. Eram sonhos com muito pormenor sobre mulheres que pariam e eu era a mulher que as acompanhava. Ainda não tinha filhos, e comecei a ler muito e a procurar informação, a conhecer as parteiras da minha comunidade, a acompanhar partos com elas. E elas diziam que eu tinha carácter e personalidade para acompanhar mulheres e comecei a aprender. Eu não gosto muito de falar deste começo, porque não me considero uma pessoa esotérica. Sou muito prática. Acho que a intuição é importante, mas não posso dizer que a minha vida é guiada pelos meus sonhos, simplesmente.


Escreveu um livro para crianças sobre o parto natural. Acha que é preciso sensibilizar as crianças desde cedo para esta questão?

As crianças são as pessoas mais abertas do mundo em relação a tudo. Elas têm curiosidade sobre tudo, querem entender, compreender detalhes e somos nós, adultos, que estamos a fechá-las. Temos ideias feitas sobre o que as crianças devem ou não saber. Mas eu acho que quando a criança faz uma pergunta, é porque está pronta para uma resposta. E o nosso trabalho como adultos é dar uma resposta sincera às crianças. Para que desde pequenos tenham a oportunidade de compreender o mundo profundamente.


O parto natural em livro e DVD

Além das várias conferências que dá pelo mundo, Naoli escreveu e ilustrou um livro infantil. «Nasce um bebê… naturalmente» tem o texto em três línguas (português, inglês e espanhol) e conta a história de um parto natural em casa, seguindo as perguntas de uma criança.

Também editou dois DVD. Em «Dia de Nascimento», Naoli Vinaver mostra o parto do seu terceiro filho, em ambiente familiar e sem recurso a qualquer tipo de ajuda – é a própria Naoli quem tira o bebé de dentro do seu corpo. O DVD «O Mundo Nasce ao Ritmo do Coração» é por si considerado um vídeo-poema e mostra uma série de fotografias de cenas de parto em casa. Nem o livro, nem os DVD estão à venda em Portugal, mas o DVD «Dia de Nascimento» pode ser encomendado através da Internet (www.amazon.com).


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