“O professor tem que saber ouvir”
Escrito por Helena Gatinho Quarta, 18 Outubro 2017 | Visto - 12970
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Mais que dar matéria, o professor tem que ouvir os alunos, criar empatia, estimular a curiosidade e ver “o que se passa lá fora”. Só assim, é possível aprender e ser “melhor todos os dias”.
César Bona nunca pensou ser professor, mas acabou reconhecido como um dos 50 melhores do mundo pelo Global Teacher Prize (espécie de Nobel da Educação). De passagem por Portugal para promover o seu livro “Nova Educação”, diz que ser professor é “um grande privilégio” e uma “enorme responsabilidade” mas que, mais que debitar matéria, há que saber ouvir, estimular a curiosidade e reconhecer a diferença. E assim estamos todos – professores, pais e alunos – a aprender... e a contribuir para um mundo melhor.
O que é esta Nova Educação?
César Bona: O título do livro é também uma forma de chamar a atenção. Alguém que se dedica a educar tem que estar sempre a pensar naquilo que pode melhorar. Há coisas que funcionavam há 40 anos que ainda funcionam e que vão continuar a funcionar, mas a Educação tem que evoluir para conseguirmos tirar o melhor das crianças e, assim, uma sociedade melhor. E cada um tem um papel nisso.
E como se pode evoluir?
C. B.: O fundamental, seja no adulto ou na criança, é sentir-se escutado, sentir que participa. E isto acontece na escola e na sociedade. Não há muros entre a escola e a família, entre a escola e a vida.
Defende que, para lá de dar os programas, o professor deve estimular a criatividade. Como se concilia isto?
C. B.: Qualquer coisa que se faça deve ter como objetivo que a criança aprenda e que partilhe esse conhecimento. Sem nos darmos conta, colocamos os programas acima de tudo. Estamos empenhados em ensinar o que vem no livro, estamos sempre a pensar nas pautas didáticas. A criança tem como essência a criatividade, a curiosidade, a imaginação e a ilusão… e isto muitas vezes é esquecido e não entra na aula. Por isso, gostava de convidar todos os professores a estimular e a “sacar” essa curiosidade que todas as crianças têm dentro.
Como se faz isso?
C. B.: Com muitas perguntas ou, simplesmente, escutando. Mais do que falar, o professor tem que escutar. E é tão simples. Basta convidar as crianças a olhar pela janela… e fazer com que elas vejam também o que se passa na sociedade, sentarmo-nos em círculo e fazer com que todas as crianças mostrem o que têm dentro. E então, no dia seguinte, percebemos que eles entram na aula mais felizes porque têm coisas para partilhar. Podemos aprender com eles e todos podem aprender com todos. E assim consegue-se mais união.
E isso é mais eficaz…
C. B.: E mais enriquecedor para todos, sobretudo para o professor. Não podemos ver uma criança como um recipiente que tem que se abrir, encher e já está. Uma criança é muito mais que isso. O conhecimento é muito importante, mas temos que nos interrogar para que é esse conhecimento. Nas escolas, sendo nós seres sociais, continuamos a educar as crianças como seres individuais; damos-lhe conhecimentos e esperamos que eles façam alguma coisa com eles… sem respeito pela criança e pelos outros.
E o professor também tem que aprender?
C. B.: O professor vai estar a aprender sempre com os colegas, as famílias e as crianças. Um professor nunca pode achar que sabe tudo. E com os alunos aprende-se muitíssimo.
As dificuldades de aprendizagem têm a ver com esta visão demasiado “didática” da escola?
C. B.: Sem nos apercebermos, estamos sempre a criar rankings: este aluno chega aqui, o outro não chega aqui… E isto é errado porque, na verdade, todos chegam. Marcamos as diferenças entre os alunos com o conhecimento. Só que somos todos distintos. Se até os gémeos, que vivem na mesma casa, comem a mesma comida e têm os mesmos pais são distintos… porque pensar que 25 crianças são iguais?
Ou seja, são todos bons alunos?
C. B.: Claro. Por isso é que é necessário parar e refletir, convidar a escola a ver que pessoas queremos educar. Isto não é um ranking de conhecimentos, temos que educar para a sociedade. E é muito importante fortalecer a autoestima. Se dizemos a uma criança que nunca vai fazer bem as coisas, isso vai marcá-la; se lhe dizemos que confiamos nela, que sabemos que ela vai conseguir, ela consegue.
O que é mais importante no primeiro dia de aulas?
C. B.: Primeiro, é preciso conhecer-nos, saber o que preocupa os alunos, o que gostam… senão começamos a dar-lhes conhecimentos que não lhes vai servir de nada… A curiosidade que as crianças têm deve ser estimulada todos os dias e há que fazer-lhes ver que podem melhorar o seu lugar na sociedade, que podem ser melhores todos os dias, que há que mostrar atitude.
Exagera-se nos trabalhos para casa?
C. B.: Haverá sempre crianças que precisam de fazer um reforço em casa e outras que não. O que não pode acontecer é crianças que estão a fazer TPC até à hora de jantar ou mesmo depois da hora de jantar. As crianças não têm a culpa de que os currículos sejam tão grandes. Uma pessoa quando sai do trabalho quer “desligar” e desfrutar da família. Com as crianças é o mesmo. E se não aprenderam durante todo o dia, não é agora que vão aprender mais. O tempo que passam fora da escola deveria ser para investigar ou complementar o que aprenderam na escola. Além disso, as crianças têm que desfrutar da sua infância porque o tempo voa. E os pais têm que desfrutar dos filhos.
Como podemos “parar” o tempo?
C. B.: Temos que saber aproveitar cada dia e cada instante. E isto é um convite à reflexão por parte das famílias, dos professores, das administrações… Estamos a educar para a vida e educar não é dar-lhes muita informação, é mostrar-lhes outras coisas, é desfrutar das pessoas, respeitar os outros e o meio ambiente.
O respeito não se impõe. Então como se faz?
C. B.: Não se pode impor respeito, tal como não se pode impor amizade ou amor. Dão-nos respeito quando respeitamos. E para isso temos que nos colocar à sua altura, ouvi-los, respeitá-los… e não impor autoridade.
E as regras?
C. B.: As crianças cumprem regras quando são elas que as fazem. Porque se sentem responsáveis, sentem que têm que dar o exemplo. Por exemplo, quando criam um jogo, fazem as suas regras e respeitam-nas. É assim com tudo.
Diz que dar matérias é dar ferramentas para que sejam felizes. Que ferramentas são estas?
C. B.: Dar ferramentas para a felicidade é educar pelo respeito aos outros, educar no respeito pelas diferença, educar para a frustração, a resiliência, e a responsabilidade social.
“Ser professor é um grande privilégio”
Nasceu numa pequena aldeia de Zaragoza e estudou Filologia Inglesa. Nunca pensou vir a ser professor, mas, um dia, quis o acaso que se encontrasse numa aula com um grupo de 25 crianças. “Gosto disto e é isto que quero fazer”, pensou de imediato. Reconhece que “mais importante que a vocação é a atitude de todos os dias” e que ser professor é “um grande privilégio”, mas também “uma enorme responsabilidade porque vamos marcar as vidas das crianças”. Para o bem e para o mal. Por isso, faz “todos os possíveis para deixar uma marca positiva”. O segredo, diz, é conhecê--los, criar empatia, comunicar, perceber o que faz falta e estimular a curiosidade. Já pôs alunos que não sabiam ler a dar aulas, fez um filme mudo onde os protagonistas eram alunos que não se falavam, criou uma entidade protetora de animais dirigida por crianças... e muitas outras “experiências maravilhosas”. Mas há muito mais para fazer. Basta fechar os livros... e “olhar pela janela”.
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