O mundo é deles!



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São atentos, decididos, opinativos, às vezes muito distraídos. Preocupados com o ambiente, sonham com um mundo melhor. E vão fazer por isso! Que adultos querem ser as nossas crianças?


Gostava de ficar marcado na História como uma das pessoas da tecnologia que fez grandes invenções e que o futuro não seria assim se não fosse eu! Quero ser engenheiro robótico, gostava de inventar muitas coisas. Por exemplo, um barco que com uma simples peça abria e ficava pronto, um carro que voasse e um robot de cozinha para fazer aquelas tarefas aborrecidas… Acho que pode ser possível, mas vou ter que saber muita coisa. Imagino-me a trabalhar com muitas peças, fios e cabos. Vou trabalhar algumas horas, mas também é importante descansar. O nosso corpo não é uma máquina… Até as máquinas precisam de carregar a bateria!”

Diogo, nove anos, sabe bem o que quer e sabe que “há coisas sim e coisas não em ser adulto”: vai poder conduzir um carro (“um Ferrari ou um Porsche”) e viajar para outros países, “como os Estados Unidos e o Dubai”, mas também vai ter “muito mais tarefas, impostos para pagar, leis para cumprir… é muita coisa!”. Preocupa-se com o planeta e com a saúde. “Se o planeta estiver mal, nós também estamos mal, porque tudo depende dele. Se continuarmos assim, a poluição aumenta e a camada de ozono destrói-se mais. Vou ter cuidado com a minha alimentação para cuidar do meu corpo, vou tomar banho todos os dias.”

E até se interessa por política: “Sei várias coisas dos partidos e dos presidentes, mas acho que quem está na política é ambicioso demais e está mais preocupado consigo do que com o país. Se eu pudesse mudar, os políticos não eram tão ambiciosos, cuidavam mais do país, para ele não ficar no estado em que está.” Diogo assume que também ele é ambicioso, “mas não é de pisar as outras pessoas para conseguir”. Até porque “o dinheiro faz falta, mas se calhar faz mais falta a outras pessoas e posso partilhar com elas”.


“Era giro descobrir a cura para uma doença”

Constança, 11 anos, também sonha com um mundo mais solidário e pacífico: “Eu queria que fosse mais fácil fazer a paz no Mundo. Eu perguntava aos países em guerra: qual é a diferença entre vocês? Mostrem a vossa mão. Têm as mãos iguais!” Simples, não é? E na política nacional, Constança também aposta no óbvio: “Se querem fazer uma estrada, mas ela não faz falta nenhuma, porque é que não poupam esse dinheiro para investir numa coisa melhor?” Por exemplo, “um hospital”. Até porque, ser médica é o seu projeto de vida, sem sombra de dúvida. “Em pequena recebi uma mala de médico e desde aí sei o que quero ser. Gostava de seguir cirurgia. Não me assusta e o sangue também não me faz impressão. Sei que é preciso estudar muito, vou ter que trabalhar muitas horas. Acho que era giro descobrir a cura para uma doença ou um medicamento novo ou descobrir uma planta nova que fizesse bem.”

Nada é impossível para esta menina: “Consigo ser adorável mas também uma peste quando quero, por isso acho que consigo ser tudo o que eu quiser.” Inclusive, mãe de sete crianças: “Gostava de ter sete filhos, quatro raparigas e três rapazes. É difícil, mas se eu os educar bem… Gostava que eles fossem divertidos, responsáveis, bem-educados e não muito irrequietos. E que me poupassem e arrumassem a cozinha enquanto eu descansava do meu trabalho.” No futuro, Constança espera contar com a preciosa ajuda das invenções de Diogo: “Acho que quando eu for adulta vai haver muita tecnologia, se calhar até carros voadores… e vou ter robots em casa. E nas minhas cirurgias também.”


Geração desenrascada

Diogo e Constança fazem parte da chamada geração Z, nascida no novo milénio, moldada pela tecnologia, pelo mundo virtual, pelo acesso imediato à informação. Os “nativos digitais” têm uma relação inédita com o que os rodeia, a comunicação e a partilha são-lhes inatas. Nunca conheceram o mundo sem internet. Altamente capazes a nível tecnológico, estas crianças são também mais atentas, dinâmicas, criativas e mais solidárias, com maior consciência social e menos passivas. Por outro lado, há quem as rotule de “egoístas”, “mimadas”, “mal-educadas”. Injustamente, dizemos nós.

“As crianças de hoje têm muito mais coisas boas e positivas do que aspetos negativos ou defeitos. E, certamente até, se algum juízo desses se pode fazer, do que as crianças de gerações anteriores. Porque têm cada vez mais informação, mais conhecimentos, mais acesso à cultura e às artes, porque têm um horizonte cada vez mais alargado sobre outras culturas e formas de estar, porque contactam e se confrontam cada vez mais com pessoas ‘mais diferentes’, porque são reconhecidas e por isso têm voz, opinião e vontade própria, porque têm um conjunto muito alargado de competências em muitos domínios”, defende Manuel Rangel, professor e diretor pedagógico da Escola Tangerina, no Porto, admitindo que “é verdade que, durante este último século – no qual se verificou uma profunda alteração do papel da criança (a que alguns já chamaram o século do «pedocentrismo») – se terão, num certo movimento pendular, cometido vários erros e exageros.”

Como tal, “é verdade que, por vezes se verifica uma certa inversão de papéis de todo injustificável e pouco saudável.” No entanto, sublinha, “o balanço global parece-me de saldo claramente positivo”. Por isso, Manuel Rangel não tem dúvidas: esta geração “encontrará dificuldades, talvez acrescidas, relativamente a algumas anteriores, mas estará à altura e com armas para as enfrentar!”


Resilientes e positivas

Habituadas a viver num contexto de maior pressão e exigência, as nossas crianças estão “mais preparadas para lidar com múltiplas tarefas em simultâneo” e são “mais adaptáveis e resilientes em relação à mudança”, considera Inês Afonso Marques, psicóloga e coordenadora da área infanto-juvenil da Oficina de Psicologia. Ao mesmo tempo, refere, “quando não controlados os fatores de risco, poderão ser mais vulneráveis a doenças físicas e psicológicas associadas ao stresse”. Como vão crescer e que tipo de adultos se vão tornar, “dependerá, em grande medida, de características mais individuais, como traços de personalidade da criança, bem como da forma como os adultos de referência ajudam essa criança a crescer e a desenvolver os seus pilares e ferramentas para a vida.”

No fundo, acrescenta Rita Castanheira Alves, psicóloga clínica especializada na área infantil e juvenil e autora do livro “A Psicóloga dos Miúdos”, “temos uma geração que, no melhor e no pior, reflete o que somos e vivemos hoje em termos sociais, económicos, ideológicos e até políticos.” Depois da mal-afamada geração rasca e da sua sucessora “à rasca”, é muito provável que a nova geração seja bastante “desenrascada”. E “acima de tudo positiva”, espera Rita Castanheira Alves, até porque os tempos de crise podem muito bem trazer “novas soluções e gerações empreendedoras, que inovam e criam no meio do que parece não funcionar, que conseguem evoluir, desenrascar-se e criar novos cenários”. E é aqui que os pais podem fazer a diferença: “É também papel dos adultos de hoje ajudar e proporcionar esse tipo de experiências e aprendizagens aos mais novos, ou seja, a criação de possibilidades e experiências de vida, formais e informais, para que sejam criativos, inovadores, saibam adaptar-se e encontrar formas alternativas de estar e ser, com um espírito crítico e que se valoriza.”



“Vou guardar o meu primeiro ordenado”

Pedro, 12 anos, é cauteloso e ponderado em relação ao seu futuro: “Quero ser engenheiro informático. Porque tem muita saída, há mais empregos do que engenheiros. Quando era pequeno, queria ser pastor! Acho que era porque gostava de animais. Acho que vou ser como o meu pai, que trabalha 12 horas por dia. Quando ganhar o meu primeiro ordenado vou guardá-lo. Todo! Desde pequeno que estou a juntar dinheiro para um carro. Gostava de ter três filhos: dois rapazes e uma rapariga. Acho que vou ser um pai equilibrado. Vou fazer algumas coisas diferentes dos meus pais, por exemplo, vou deixá-los comprar jogos de guerra. Mas também vou fazer coisas iguais: ser compreensivo, outras vezes rígido, quando eles fizerem alguma coisa de mal. Só vou deixá-los comer guloseimas ao fim de semana, como faz a minha mãe, mas sei que eles vão comer às escondidas nos outros dias, como eu faço agora”.

As suas ambições vão mais longe. “Vou ensinar os meus filhos a reciclar, a não mandar lixo para o chão, a fazer voluntariado. Desde pequeno que me preocupo com o ambiente e o planeta. Já plantei várias árvores. Gostava de mudar algumas coisas no mundo – a crise, a corrupção, o terrorismo – mas sei que há coisas que não vão acabar. Há mais pessoas boas do que más, mas continua a haver sempre pessoas más.”


Geração agitada

As crianças de hoje vivem a um ritmo apressado, por vezes alucinante, e são, vezes de mais, sujeitas a uma estimulação constante. As solicitações são permanentes e a pressão exagerada. “As televisões, as consolas, os tablets, os telemóveis, os centros comerciais, os espaços de animação infantis e os espaços organizados de férias, o tipo de viagens que fazem, os horários que têm que cumprir, as obrigações e a disponibilidade dos pais, o número de atividades que frequentam... Tudo isto coloca-os numa situação permanente de hiperestimulação”, lembra Manuel Rangel, acrescentando que “o que sobra em estímulo mental/intelectual, por vezes falta em atividade física e social”. Têm “muita informação, uma grande capacidade de apreender e aprender, mas por vezes falta- -lhes alguma capacidade de refletir, alguma persistência, alguma capacidade de dialogar”. São, por isso, crianças “muito impulsivas e imediatistas”. Aos pais cabe contribuir para o seu desenvolvimento harmonioso e para isso é essencial fomentar “valores como a amizade, a solidariedade, o respeito, a tolerância, a perseverança” e ajudar a criança “a desenvolver ferramentas como a curiosidade, a autoestima, a empatia, a autoconfiança e a criatividade”, salienta Inês Marques. E, acrescenta Rita Alves, “estando presentes, atentos, envolvidos e disponíveis, dando espaço de escolha, ajudando a ponderar riscos e aparando nos tropeções”.

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