Introvertidas e felizes

Num mundo em que reina o ideal extrovertido, qual o lugar das crianças introvertidas? As suas capacidades secretas são verdadeiros superpoderes, que é urgente conhecer e respeitar.


O livro “Silêncio, o poder dos introvertidos num mundo que não para de falar” é um sucesso mundial. Traduzido em 40 idiomas, está presente, há mais de quatro anos, nos tops de vendas. Nunca a sua autora pensou que se tornasse numa obra tão inspiradora! Susan Cain está a mudar a forma como a sociedade encara os introvertidos e como eles se veem a si mesmos. E assumiu essa “revolução tranquila” como uma verdadeira missão. “Poder silencioso” é a sua nova obra, editada recentemente em Portugal, curiosamente dirigida aos mais novos. Um guia para os ajudar a usarem as suas qualidades e talentos, mas de leitura aconselhada também para os pais. Porque como diz, no livro, Eleanor, mãe de um adolescente introvertido: “Para crianças introvertidas é da máxima importância mostrarmos que somos parte da sua equipa. Elas precisam de mais companheiros de equipa do que qualquer outro adolescente. Precisam de pessoas que realmente as conheçam”.


Assumir a diferença
Introvertida assumida, a autora começa por esclarecer que “não há uma forma simples para nos definir”. O reconhecido psicólogo do século XX, Carl Jung, foi o primeiro a explicar que os introvertidos são arrastados para o mundo interior dos pensamentos e sentimentos, enquanto que os extrovertidos anseiam pelo mundo exterior das pessoas e atividades. No entanto, há algumas características que ajudam a identificá-los. Os introvertidos preferem passar o tempo com um ou dois amigos, em vez de estarem num grupo; para expressarem as suas ideias gostam mais de fazê-lo através da escrita; trabalham melhor sozinhos; não gostam de ser chamados a participar nas aulas; sentem-se cansados depois de sair com amigos, mesmo quando se divertem; passam muito tempo no seu quarto; conseguem mergulhar num projeto, praticar um desporto, tocar um instrumento ou envolverem-se em algo criativo durante horas seguidas, sem se aborrecerem; gostam de pensar antes de falar; gostam mais de fazer perguntas do que de dar respostas; não se sentem confortáveis quando são o centro das atenções.
Seja uma criança introvertida ou extrovertida, a ideia que Susan Cain quer passar é que “tudo está bem”.

Estima-se que os introvertidos constituam entre um terço e metade da população, isto é, uma em cada duas ou três pessoas que todos conhecemos. Por isso, a introversão é um dos traços de personalidade atualmente mais investigados.
Sabe-se hoje, por exemplo, que introvertidos e extrovertidos têm geralmente sistemas nervosos diferentes. Os dos introvertidos reagem mais intensamente a situações sociais bem como a experiências sensoriais, pelo que resistem mais a ambientes estimulantes como os ruidosos refeitórios das escolas. As crianças introvertidas tendem a sentir-se mais descontraídas e enérgicas em ambientes mais tranquilos. Não necessariamente sozinhas, mas muitas vezes com grupos mais pequenos de amigos ou familiares que conhecem bem.

Pequenos pormenores mostram como os introvertidos são mais sensíveis à estimulação. A autora partilha vários estudos e experiências. Um deles bastante curioso: o psicólogo Hans Eysenck colocou gotas de sumo de limão nas línguas de introvertidos e extrovertidos. A resposta natural é a produção de saliva para contrabalançar o sabor ácido. Sendo mais sensíveis à estimulação, os introvertidos foram os que produziram mais saliva!
“Simplesmente, sentimos os efeitos do sabor, do som, da vida social um pouco mais intensamente do que os nossos companheiros extrovertidos”, reconhece Susan Cain. E acrescenta: “Nas festas, por exemplo, podemos passar momentos fantásticos, mas a nossa energia esgota-se antes do tempo e ansiamos poder sair mais cedo. Passar tempo a sós, num ambiente tranquilo, recarrega as nossas baterias. Não deixes que ninguém te diga que somos antissociais – somos apenas diferentemente sociais”.


Reconhecer superpoderes
Mas, numa sociedade que idolatra os extrovertidos, como se fossem modelos que todos deveriam imitar, como assumir uma abordagem e uma forma de estar mais tranquila? O principal conselho da autora de “Poder silencioso” é que, desde cedo, os mais novos aprendam a aceitarem-se e a apreciarem-se como são. “Ser introvertido não é algo que deixe de nos servir: é algo para aceitar e com que se cresce e que até se deve acalentar. Quanto mais notares como são especiais as tuas qualidades, mais confiança ganharás”. Como faz questão de realçar, não é por obra do acaso que muitos dos grandes artistas, inventores, cientistas, atletas e empresários da história foram e são introvertidos. Este tipo de personalidade está repleto de maravilhosas qualidades e aptidões. De “superpoderes”, como define Susan Cain.

Ao longo do livro, destaca vários: capacidade de profunda concentração nas disciplinas e atividades; talento para escutar com empatia e paciência; capacidade notável para ser independente; encontram força na solidão e usam o tempo a sós para se focarem intensamente; são capazes de longos períodos ininterruptos de trabalho árduo; desejo de perfeição; enfrentam grandes perigos ao serviço de uma paixão ou de um projeto, entre outros.
Nas suas conferências, Susan Cain costuma deixar um apelo aos jovens introvertidos: “O mundo precisa de ti, e há tantas maneiras de fazer com que o teu estilo silencioso se faça ouvir! Aproveita os superpoderes dos introvertidos, descobre as tuas paixões e persegue-as de coração aberto. Então, não irás apenas sobreviver, mas desenvolver-te”.


Histórias reais
Assumindo-se como guia, “Poder silencioso” apresenta sugestões úteis e conselhos práticos para as diferentes áreas da vida de um jovem introvertido: escola, vida social, tempos livres e vida familiar. E tenta várias respostas: “Como se conquista um lugar próprio, enquanto pessoa silenciosa? Como se pode assegurar não ser ignorado? Como se fazem novos amigos quando parece difícil reunir a confiança suficiente para ser conversador?”.
A autora partilha vários episódios da sua vida pessoal, bem como inúmeras histórias reais de um grande conjunto de jovens com quem falou ao longo de muitos meses. “Quer sejas introvertido ou extrovertido, espero que as histórias e ideias deste livro te ajudem a entender o teu próprio ser, os teus amigos, a tua família e até aqueles amigos ocasionais de escola com quem te cruzas diariamente nos átrios”. Eis alguns dos conselhos que selecionámos nas várias áreas.


Na escola
O ambiente escolar parece formatado para os mais extrovertidos, mas, como a autora defende, “podes sempre sobre-erguer-te a isso mantendo intacto o mais fundo do teu ser”.
- Entende as tuas necessidades. Assume que por vezes haverá um desencontro entre ti e o teu ambiente escolar. Procura encontrar tempos e locais tranquilos para recarregares baterias. Se preferires conviver com um ou dois amigos de cada vez em vez de com um grupo grande, está tudo bem.
- Identifica o teu melhor ponto de partida. Desenvolve uma estratégia para conseguires participar nas aulas. Podes escolher ser o primeiro a falar, pois já preparaste a tua resposta em casa ou talvez prefiras escutar os comentários dos teus colegas e aproveitá-los para construíres a tua resposta. Escolhe o papel que sintas ser mais natural para ti.
- Observa os teus colegas. Repara em todas as vezes que eles fazem comentários sem sentido ou dão uma resposta errada e ninguém se importa. Nada de terrível acontece se a tua resposta não estiver certa ou se a tua voz tremer ligeiramente.
- Procura comunidades fora da escola. Pratica a tua capacidade de trabalhar em grupo em atividades que gostes. O voluntariado é um excelente meio para te envolveres em grupos que te digam alguma coisa.


Vida social
Manter a mente e o coração abertos. “O próximo melhor amigo de um introvertido tanto pode ser aquele novo jovem em silêncio no canto, como aquele expansivo de pé junto à mesa no meio do refeitório”.
- Sê tu mesmo. Não finjas ser extrovertido para ganhar amigos. Um amigo verdadeiro vai apreciar-te como és.
- Junta-te a um grupo. Uma equipa, um clube, uma atividade extracurricular, que esteja organizada em torno de um assunto que realmente te interesse.
- Faz perguntas. Ouvir é um dos teus superpoderes, por isso, quando conheceres novas pessoas, faz-lhes perguntas sobre elas e depois responde com novas perguntas que mostrem que estás a prestar muita atenção ao que dizem.
- Encontra um companheiro. Se tiveres que ir a uma grande festa, combina um encontro antes com alguém que gostes. A entrada na festa será mais fácil se entrares já com um ou dois amigos.
- Começa pelos cantos. Quando chegares a uma festa, reserva algum tempo para te adaptares ao ruído e ao movimento. Começa por percorrer com os teus amigos os cantos da sala, onde é provável que as coisas estejam mais calmas.
- Fica um pouco mais. Uma vez por outra, procura ficar mais meia hora do que o tempo que inicialmente previste. Podes acabar por ultrapassar o desconforto, divertir-te e falar com pessoas que te surpreenderão.


Tempos livres
Há muitas maneiras de um introvertido comunicar sentimentos e ideias sem ser através de conversa. A arte e o desporto podem ser terrenos férteis.
- Procura inspiração em modelos. Há muitos introvertidos que têm sido amplamente reconhecidos pela sua criatividade, carisma e inteligência. Descobre-os e inspira-te.
- Exige privacidade. Alguns projetos são só teus. Cria um espaço seguro para escreveres ou criares sem teres de te preocupar sobre o que pensam os outros.
- Faz exercício a solo. Ioga, corrida, caminhadas, escalada, abdominais… todos estes exercícios são gratuitos e podes fazer sozinho, no teu quarto ou ao ar livre.
- Faz uma coisa que te amedronta. Faz todos os dias uma coisa de que tens medo. Pode ser pequena, como levantar a mão na aula ou sentares-te perto de alguém que não conheces numa reunião. Atreveres-te a ir além da tua zona de conforto pode ser recompensador.
- Descobre uma causa poderosa. Escolhe algo que tenha eco profundo em ti.


Em casa
Um nicho revigorante é essencial para a felicidade de um introvertido.
- Um canto tranquilo. Escolhe o teu local especial. Senta-te, abre um livro, ouve música ou simplesmente fecha os olhos e respira.
- Respeita as necessidades dos outros. Tal como queres que os outros respeitem a tua necessidade de quietude e solidão, tens que compreender que os teus irmãos ou pais podem ter necessidades opostas.
- Aprecia o tempo que passas com a tua família. Os teus familiares são aqueles com quem podes ser mais sincero e verdadeiro. O valor desse conforto é enorme.
- Alivia a carga. Procura apoio, conforto e amor junto da tua família quando estiveres a passar por dificuldades.
Compreender a sua própria introversão pode ser transformador para os mais novos. Como partilha Ryan, um dos adolescentes ouvidos para este livro: “Compreender a introversão mudou a minha vida. Sinto agora que não há receios a acomodarem-se na minha introversão. Não é um segredo para ser oculto ou um defeito para esconder. Já não me prendo ao ideal extrovertido, e isso é muito mais libertador do que eu podia ter imaginado”.


Dicas para os pais

Susan Cain sugere algumas estratégias simples para os pais ajudarem os seus filhos:
- Encorajar o domínio e a autoexpressão. Encorajar a encontrar uma atividade extracurricular que o apaixone. Assegurar que é exposto a muitos e diferentes assuntos e objetivos, para que consiga descobrir as suas paixões.
- Ajudá-los a navegar na vida social. O truque é encontrar um meio-termo entre o “eu trato de tudo” e o “eu não me meto em nada”. Esteja presente se o seu filho quiser falar ou ajude a ensaiar uma situação social difícil.
- Cultivar um nicho revigorante. Dar-lhes o tempo tranquilo de que precisam, quando chegam a casa. Os jovens introvertidos precisam de tempo para descomprimir, fantasiar e não fazer absolutamente nada.
Para saber mais: parenting.quietrev.com.


Manifesto para Introvertidos

No seu livro “Poder Silencioso”, Susan Cain criou uma espécie de 10 Mandamentos para os Introvertidos. Escolhemos os cinco mais significativos.
Um temperamento tranquilo é um superpoder invisível.
Podes expandir-te como um elástico. Podes fazer tudo o que um extrovertido faz, incluindo subir à ribalta. Mais tarde haverá sempre tempo para o silêncio.
Os introvertidos e os extrovertidos são o yin e o yang – amamo-nos e precisamos uns dos outros.
Não há mal em atravessar a sala para evitar conversas banais.
Não é preciso ser chefe de claque para liderar. Basta pensar em Mahatma Gandhi.


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