“Socorro! Veio-me o período”
Terça, 16 Dezembro 2014 | Visto - 24505
Tweetar |
Indíce do artigo |
---|
“Socorro! Veio-me o período” |
A primeira consulta de ginecologia |
Todas as páginas |
Por volta dos 12 anos, é normal surgir a primeira menstruação. Para umas meninas é uma excitação, para outras é um drama. Cabe às mães ajudar as filhas a terem uma perspetiva positiva desta fase de crescimento.
Tatiana, 17 anos, lembra-se bem do dia em que lhe veio o “período” pela primeira vez. Foi na festa de aniversário do irmão e estava a família toda lá em casa. “Tinha 12 anos e não foi novidade, já estava preparada para quando aparecesse. Senti que era uma coisa normal que me estava a acontecer”, descreve. Primeiro contou à mãe, claro, mas logo a avó, madrinha, tias e primas ficaram a saber. Foi um acontecimento bastante celebrado. Não só pelas mulheres, mas também pelos homens da família. “Ao jantar, lembro-me da avó dizer ao avô que já tínhamos mais uma ‘mulher’ na família”, conta, garantindo que não sentiu qualquer vergonha. “A partir de uma certa idade, a minha mãe começou a falar comigo sobre a menstruação, por isso, estava informada sobre o que era, o porquê de aparecer e que poderia aparecer a qualquer momento”. Desse dia de setembro, recorda ainda a reação da mãe ao saber a notícia: “Agarrou-se a mim aos beijinhos”, diz a rir.
A mãe, Luísa Beirão, lembra-se perfeitamente desse dia e lembra-se também quando a filha “ainda pequena” lhe entrou pela casa de banho adentro e perguntou o que é que a mãe estava a fazer. “Expliquei-lhe que era o ‘período’ e que ela, quando fosse grande, também ia ter. A partir daí, fomos falando conforme as questões iam surgindo. Nunca achei que fosse preciso chamá-la para conversar”.
Mas, muitas mães têm dúvidas sobre como explicar às filhas o que é a menstruação ou o que dizer ou fazer no dia em que aparece pela primeira vez. Apesar de ser um processo normal do corpo e do crescimento, o ciclo menstrual ainda está envolto em muitos tabus. Prova disso são as várias expressões que se utilizam para fugir ao nome menstruação: história, benfica, chico, red, período…
A ginecologista Filomena Sousa sugere ir introduzindo o assunto “quando a criança/pré-adolescente começa a ter mamas, pelos púbicos e axilares e cresce muito em poucos meses”, o que significa que “a primeira menstruação deve estar quase a aparecer”. Nesta altura, “convém falar com a adolescente, informando que se está a transformar numa mulherzinha e que mais tarde ou mais cedo vai sair sangue pela vagina (ou ‘pipi’)”. Ao mesmo tempo, a mãe “pode mostrar onde guarda os pensos higiénicos e falar um pouco da sua experiência, sem dramatizar”.
Para Patrícia Lemos, educadora menstrual e para a fertilidade, o ideal é ir falando sobre o assunto no dia-a-dia: “Se a menina estiver enquadrada na realidade quotidiana da mãe, naturalmente surgirão situações onde o tema pode ser abordado e explorado – sempre de forma conveniente para a idade e curiosidade expressa pela criança”.
Todas as mães desejam que as filhas tenham uma boa experiência com a menstruação e que a vivam, tal como o resto das alterações corporais típicas desta fase, de uma forma natural e sem dramas. Como é que isso se faz? “Como para as crianças o sangue costuma estar associado a dor, sofrimento e aflição é importante que o enquadramento da menstruação seja positivo, isto é, enquanto acontecimento natural fruto da fisiologia feminina e que é sinal de um corpo saudável, de crescimento e expressão própria de um corpo que se prepara para a maternidade”, sugere Patrícia Lemos.
Perceber e ir de encontro ao que faz sentido para a adolescente deve também ser uma das preocupações. “A mãe deve mostrar-se disponível para esclarecer dúvidas ou enviar a um profissional de saúde se a jovem se sentir mais à vontade. É importante respeitar a intimidade da filha e ajudá-la a tornar-se autónoma”, recomenda Filomena Sousa, que trabalha com adolescentes na consulta de ginecologia do Hospital Dona Estefânia.
A forma como a mãe lida com o seu próprio ciclo menstrual afetará a forma como a filha lidará com o seu, sendo muito comum ouvirem-se frases como “a minha mãe/avó também era assim”. Mas as questões relacionadas com a saúde menstrual são “herdadas” mais pela sugestão do que pelos genes: “Se uma mãe sofrer com a menstruação, é fácil a sua filha receber e interiorizar essa informação, e será sobre ela que construirá atitudes e comportamentos relativamente à sua menstruação, ainda que o discurso da mãe sobre este tema possa ser construtivo. Isto é, se todos os meses me queixar com as dores menstruais e culpar a TPM [tensão pré-menstrual] por estar irritada, dificilmente a minha filha acreditará em mim quando lhe disser que a menstruação é uma coisa boa e natural”, analisa Patrícia Lemos, que dá consultas e orienta workshops para ensinar as mulheres a “usarem a menstruação como uma ferramenta de biofeedback, da perspetiva das hormonas, da alimentação, da sexualidade e dos comportamentos”. Ou seja, a ligarem-se ao seu ciclo menstrual, reconhecendo as suas várias fase e tirando benefícios de cada uma.
A idade certa
A menarca – assim se chama a primeira menstruação – “costuma aparecer entre os 11 e os 14 anos, mas considera-se normal desde os nove até aos 16 anos”, explica Filomena Sousa. A idade em que aparece depende das caraterísticas da adolescente. “As adolescentes mais gordinhas costumam menstruar mais cedo e as meninas que são muito magras costumam menstruar mais tarde”.
Um estudo da Universidade do Minho, de 2011, mostrou isso mesmo. Entre as 109 meninas analisadas, todas nascidas em 1991, a idade média da ocorrência da menarca foi de 12 anos, “um valor semelhante à generalidade dos países mediterrânicos”, conforme foi explicado em comunicado. No entanto, segundo o mesmo estudo, 24,1 por cento das raparigas que tiveram a menarca antes dos 12 anos eram obesas, um valor superior ao das adolescentes que tiveram a primeira menstruação numa idade “normal” ou superior aos 13 anos. Por outro lado, a investigação mostrou também que as jovens que tiveram a menarca mais cedo já tinham, desde os sete anos, níveis de gordura corporal superiores às restantes. Na altura, Raquel Leitão, autora do trabalho “A obesidade da infância para a adolescência: um estudo longitudinal em meio escolar”, explicou que “os resultados reforçam, de facto, a relação entre a idade da primeira menstruação e a gordura corporal, mas não explicam se a obesidade é causa ou consequência da maturação sexual precoce”. Seja como for, a tendência é para as adolescentes terem a primeira menstruação cada vez mais cedo. “Em Portugal, a média da idade da menarca diminuiu de 15 anos nas raparigas nascidas em 1880 para 12,4 anos na década de 80 do século XX”, lê-se no site da Universidade do Minho.
Filomena Sousa confirma esta tendência, que tem origem “na melhoria das condições de vida e alimentação”. Mas que também tem um lado preocupante: “O problema é a capacidade reprodutiva surgir muito antes da maturidade psicológica para constituir família, o que contribui para a gravidez na adolescência”.
Pílula ou não?
É normal os primeiros “períodos” serem irregulares e nem sempre são dolorosos. Geralmente nem há ovulação durante os primeiros ciclos. São como treinos do corpo e podem durar cerca de dois anos após a menarca. Isto deve-se, segundo Filomena Sousa, à “imaturidade do eixo hipotálamo-hipófise-ovário”. Uma instabilidade que vulgarmente se chama ‘andar com as hormonas aos pulos’.
Depois desta fase, muitas jovens continuam com queixas relacionadas com a menstruação, como dores, acne ou ciclos irregulares. E a tentação é, muitas vezes, tomar a pílula anticoncecional, mesmo que ainda não tenha sido iniciada a vida sexual. A pílula regula o período, faz desaparecer as dores e as borbulhas na cara. Parece um milagre, mas, como todos os medicamentos, também tem efeitos secundários. Além de todos os que estão escritos na bula (entre os quais dores de cabeça ou aumento de peso), Patrícia Lemos destaca o afastamento da mulher do seu ciclo menstrual: “As hormonas artificiais destituem o ciclo menstrual da sua mais-valia que é uma ligação próxima da mulher ao seu corpo. As queixas em relação à menstruação são sinais que têm como função encaminhar a mulher para um estilo de vida mais saudável”.
Por sua vez, Filomena Sousa, apesar de considerar que “mesmo sem vida sexual, há situações em que se justifica tomar uma pílula”, também recomenda a adoção de um estilo de vida mais saudável para melhorar estas queixas: “A forma mais natural de corrigir ou evitar as irregularidades menstruais, e também muitas doenças, é ter um peso adequado, praticar atividade física regularmente, dormir o número de horas suficiente (de preferência durante a noite, para respeitar o ritmo circadiano), e principalmente ter uma alimentação saudável, com poucos açúcares e rica em vitaminas e sais minerais”.
Muitas mães preferem que as filhas tomem a pílula, porque sentem-se mais descansadas em relação a uma possível gravidez adolescente. Mas a melhor prevenção faz-se com a educação: “Se o respeito pelo corpo e o amor-próprio tiverem sido trabalhados sempre e especialmente em momentos como este, em que facilmente se criam sentimentos de vergonha ou de desadequação, a adolescente estará preparada para viver uma sexualidade natural, responsável, respeitada e vibrante”, sublinha Patrícia Lemos.
Para mostrar que a primeira menstruação é um marco demasiado importante, que não se deve resumir a ensinamentos sobre pensos higiénicos, e que não há qualquer motivo para sentir vergonha, a educadora recomenda ainda que “cada família, dentro daquilo que é a sua perceção do sagrado, celebre este momento com um pequeno ritual, seja uma refeição especial em família, uma festa de pijama com as amigas ou um momento de partilha só entre mãe e filha”.
Na família de Tatiana, todos recordam o dia em que se “tornou mulher”. Por ter sido numa data especial – o dia de anos do irmão – mas também porque fazem questão de dar importância a todos os momentos de crescimento. Prova disso é que a partir desse ano, no Dia da Mulher, o pai passou a levar sempre dois ramos de flores para casa.