Dos 6 aos 10
Infecções respiratórias: da constipação à pneumonia
Escrito por Paulo Oom (Professor de Pediatria) Segunda, 26 Novembro 2007 | Visto - 67601
Começou a estação mais fria e as crianças já regressaram às escolas. Para muitos pais, habitualmente isto significa que os problemas vão começar.
De facto, as infecções respiratórias são muito mais frequentes no Inverno por uma combinação de factores: por um lado, a maioria dos vírus que ataca o sistema respiratório dão-se bem com o clima frio e húmido, que os ajuda a multiplicarem-se; por outro, o regresso às aulas vai provocar o aglomerado de grupos de crianças em espaços fechados o que favorece a passagem dos vírus de uma criança para outra, através da respiração.
Assim, se por um lado os vírus têm maior capacidade de se multiplicar, o contacto mais íntimo e frequente entre as crianças favorece o aparecimento de verdadeiras epidemias.
As doenças respiratórias são todas iguais?
Não existem «problemas respiratórios», existem sim diversas doenças que podem atacar o sistema respiratório da criança e que têm gravidade muito diferente. A mais frequente e mais inocente é o resfriado ou constipação simples. A criança tem o nariz entupido, com mais ou menos secreções e pode mesmo, no início, ter uma pontinha de febre. Mais nada.
Se for uma criança mais pequena, principalmente se tiver menos de seis meses, pode ficar muito incomodada pois nessa idade a criança respira principalmente pelo nariz e tem dificuldade em respirar pela boca, ao contrário das crianças mais velhas.
A situação dura habitualmente alguns dias, geralmente menos de uma semana, e tudo o que os pais têm que fazer é lidar com a situação com tranquilidade ao mesmo tempo que colocam em prática algumas medidas simples.
Noutros casos a infecção pode evoluir ao longo das vias respiratórias atingindo progressivamente a laringe (laringite), os brônquios (bronquite) ou mesmo os pulmões (pneumonia).
O que provoca as infecções respiratórias?
O grande número de doenças que ocorre com maior frequência durante os meses frios (constipações, laringites, bronquites e mesmo pneumonias) é, na maioria, provocada por vírus. Muitos pais desconfiam dos médicos quando estes lhes dizem que a seu filho, que desde há 3 dias tem uma febre baixa, secreções no nariz e recusa alimentar-se, tem apenas uma virose.
«Quando não sabem o que é, dizem que é uma virose» é um comentário que se ouve com frequência nas salas de espera dos serviços de urgência pediátricos. Na verdade, é um facto que a grande maioria das infecções do aparelho respiratório é provocada por vírus (viroses) e não originam sintomas muito particulares ou graves.
Apesar do seu curso habitualmente inocente, algumas crianças podem evoluir de forma menos agradável. Isto acontece quando as secreções ficam muito tempo acumuladas e acabam por ser infectadas por uma bactéria. Neste caso as secreções tornam-se mais espessas e mudam de transparentes para amareladas ou esverdeadas e uma febre alta pode aparecer.
Como se manifestam as infecções mais frequentes
As infecções respiratórias mais frequentes, como a vulgar constipação, manifestam-se habitualmente por:
- febre baixa, que facilmente desaparece com o uso de antipiréticos;
- secreções no nariz líquidas e transparentes;
- tosse seca ou com uma pequena quantidade de secreções. Estas secreções são habitualmente secreções do nariz que deslizaram até à garganta e a tosse é um mecanismo fundamental para a sua remoção mantendo as vias aéreas desobstruídas;
- Por vezes a tosse é uma tosse rouca, irritativa, que surge por ataques e a que muitas vezes se chama tosse 'de cão'. A sua causa é uma infecção viral da laringe, geralmente sem consequências
Habitualmente estas crianças brincam normalmente, estão bem dispostas, comem razoavelmente e, principalmente, não parecem doentes;
O que podem os paia fazer
Os cuidados que os pais podem ter em casa são iguais ao de todas as outras situações de infecção das vias respiratórias, e incluem:
- Remover as secreções acumuladas no nariz, com a ajuda de soro fisiológico ou um spray de água do mar e de um aspirador próprio para o nariz. Não conheço nenhuma criança que goste desta tarefa, mas os pais devem ter a persistência necessária e não desistir ao primeiro choro. Por vezes são necessárias duas pessoas para conseguir concluir com êxito esta empreitada;
- Manter a criança hidratada, através da ingestão de líquidos, ajuda a tornar as secreções mais fluidas e facilita a sua remoção;
- Desobstruir o nariz, com a ajuda de umas gotas vasoconstritoras nasais. Atenção que existem gotas para crianças e gotas para adultos. Se em casa apenas existirem gotas para adultos podem ser diluídas com soro fisiológico antes de serem aplicadas na criança. Este tipo de medicação não deve ser usado com muita frequência (máximo de três vezes por dia) nem durante períodos prolongados (máximo de três dias);
- Baixar a febre, se existir, o que é pouco frequente. Usar sempre como primeira linha de ataque o paracetamol. Nada de aspirinas ou semelhantes, pois podem ter efeitos secundários graves nas crianças;
- Habitualmente, não é necessário a criança tomar qualquer antibiótico;
Quando suspeitar que algo está a correr mal?
Apesar da maioria da situações não exigir grandes cuidados, é necessário estar atento ao aparecimento de alguns «sinais de alarme» que podem significar que a doença é mais grave ou que se tornou, com o passar do tempo, mais grave. Ou porque a infecção «foi descendo» ao longo das vias respiratórias até atingir os brônquios e pulmões, ou porque entretanto surgiu uma infecção por uma bactéria. De uma forma geral a criança deve ser observada pelo pediatra sempre que:
- tem um aspecto doente
- não quer brincar
- não consegue dormir à noite
- tem febre alta
- a febre se mantém por mais de 5 dias
- tem vómitos persistentes
- recusa alimentar-se
- tem dificuldade em respirar ou pieira
- tem dores no ouvido
- as secreções tornaram-se espessas e esverdeadas
- a tosse se agrava de dia para dia ou se se mantém por mais de 10 dias
- os pais tiverem dúvidas sobre a gravidade da situação. Fale com o pediatra da criança e esclareça com ele todas as suas dúvidas. Não deixe que o medo ou a insegurança tomem conta de si.
O que é uma pneumonia
Numa pneumonia a infecção deixa de estar apenas nas vias respiratórias, como os brônquios, para passar para os pulmões da criança. Como nas outras infecções respiratórias, a maioria das pneumonias é provocada por vírus e só em alguns casos existe infecção por bactérias.
Muitas vezes tudo se instala de forma gradual, começando como uma constipação que se vai agravando ao longo de dias. A partir de determinada altura começam com febre, que pode ser alta e tosse com expectoração. A criança tem um ar doente, recusa alimentar-se ou tem mesmo vómitos e dores de barriga. Nos casos mais graves a criança sente-se cansada ou tem uma sensação de «falta de ar». O diagnóstico certo só pode ser dado pelo médico depois de auscultar a criança.
Que exames deve fazer uma criança com pneumonia?
Habitualmente basta a observação pelo médico. Nos casos em que existirem dúvidas, ou em que se suspeite de uma maior gravidade, a criança pode necessitar de fazer uma radiografia de tórax ou análises ao sangue.
Como se trata?
Como a maioria das pneumonias tem uma causa viral, o seu tratamento consiste em baixar a febre com o paracetamol e hidratar a criança, tal como já falámos atrás.
Só se existir evidência clínica de que a criança tem uma infecção bacteriana se justifica o tratamento com antibióticos. O uso de antibióticos indiscriminadamente e sem justificação, para além de não ajudar à resolução da doença pode ajudar as bactérias a criarem resistências.
Significa isto que mais tarde, quando a criança efectivamente precisar de tomar um antibiótico este pode já não ser eficaz e a doença ser mais complicada. Esta atitude implica que os pais vêem muitas vezes a sua capacidade de resistência ser posta à prova, mas a noção de que o antibiótico não é a «droga milagrosa» que tudo resolve pode ajudar a ultrapassar a situação.
É muito importante que conversem com o vosso pediatra sobre todos estes assuntos para que se sintam mais confiantes. Nos casos em que se suspeita da presença de uma bactéria (os casos mais graves) a criança precisa de tomar um antibiótico durante 10 dias. Ao fim de 48 horas a criança deve sentir-se melhor e deixar de ter febre. Caso isto não aconteça deve ser de novo observada pelo Pediatra.
Os medicamentos para a tosse devem ser usados com muito cuidado. A tosse é um mecanismo protector e nem sempre deve ser suprimida. Sem a tosse as secreções podem acumular-se nas vias respiratórias e a criança ficar com dificuldade respiratória ou mesmo uma infecção mais grave.
Os pais não devem dar «xaropes para a tosse» sem antes contactarem o Pediatra da criança, principalmente nas crianças com menos de dois anos.
Quando tem de haver internamento
Em alguns casos, felizmente cada vez mais raros, as crianças com uma pneumonia têm de ser internadas num hospital. São os casos de crianças com:
- Idade inferior a 6 meses;
- Vómitos frequentes (não conseguem tomar o antibiótico em casa);
- Apresentam sinais de desidratação;
- Apresentam recusa alimentar;
- Têm um "ar doente";
- Têm dificuldade em respirar;
- Não melhoram em casa, mesmo a tomar o antibiótico correctamente;
- Têm uma doença crónica, dos pulmões ou do coração;
- Têm vários episódios de pneumonia num curto espaço de tempo
A criança está condenada a estar sempre doente no Inverno?
Nos meses frios, a criança entra em contacto com um grande número de vírus, e à medida que apanha cada um deles, cria defesas apenas para esse vírus mas continua susceptível para apanhar qualquer um dos outros. Estando na escola, em contacto com muitas outras crianças, infectadas com vírus diferentes, não é estranho que isso aconteça e que o problema possa persistir durante largos períodos durante o Outono e Inverno. A boa notícia é que a criança vai desenvolvendo resistências contra os diferentes vírus e o ano seguinte será certamente mais tranquilo.
As doenças respiratórias podem ser prevenidas?
Vejamos algumas regras simples que podem ajudar a diminuir a incidência das infecções respiratórias:
- Proteja o seu filho do frio. Utilize a roupa e agasalhos suficientes e adequados à temperatura ambiente.
- Não exponha o seu filho ao mau tempo. Se lá fora está um vendaval, e se possível, adie a saída de casa para uma melhor altura.
- Evite colocar o seu filho em locais fechados na presença de muitas pessoas (crianças ou adultos) pois é principalmente nestes que se faz a transmissão dos vírus respiratórios.
- Se possível, evite o contacto do seu filho com crianças ou adultos doentes. Por vezes é impossível, principalmente quando os adultos doentes são os pais e as crianças engripadas os irmãos.
- Se possível, não deixe o seu filho em instituições que mantêm muitas crianças em contacto umas com as outras em salas fechadas, como infantários ou creches superlotados. No primeiro ano de vida (e de preferência nos 2 primeiros anos) o lugar do bebé deve ser em casa (dos pais, avós ou de uma ama que cuide de poucas crianças). Infelizmente, isto nem sempre é viável.
- Algumas crianças têm uma maior tendência para adoecerem, como é o caso das crianças com asma, fibrose quística, diabetes ou das portadoras de Trissomia 21 (síndrome de Down). Fale com o seu pediatra sobre este assunto de modo a prevenir as infecções virais eficazmente.
- Se o seu filho é dado a este tipo de doenças, e principalmente se no Inverno anterior esteve muitas vezes doente, o seu pediatra pode querer que ele faça uma vacina especial antes do início da época fria de modo a ajudar o seu sistema de defesa a combater este tipo de infecções.
Em conclusão
As infecções respiratórias são muito frequentes nesta altura do ano. Os pais devem ter consciência de dois factos fundamentais que os podem sossegar: a maioria destas infecções são virais (as célebres viroses) e apenas levam a criança e a sua família a passarem um mau bocado, sem outras consequências.
Algumas medidas caseiras podem ajudar a viver melhor nestas alturas. Em segundo lugar, a maioria destas infecções atingem principalmente a garganta, o nariz e os ouvidos, Só em alguns casos são envolvidos os brônquios ou mesmo os pulmões dando origem a uma pneumonia. A maioria das pneumonias pode ser tratada em casa e só em casos excepcionais a criança tem de ser internada. Em caso de dúvidas, contacte o seu Pediatra.
Uma criança autista
Terça, 06 Novembro 2007 | Visto - 61876
Todos imaginam os seus filhos como bons alunos na escola, a correr e a brincar com outras crianças, a falar pelos cotovelos ou a fazer birras. Ter uma criança diferente pode ser difícil de aceitar. Principalmente quando essa criança tem características que a afastam do mundo dos outros, inclusive do mundo dos seus pais. Ter um filho autista é um desafio que ninguém pretende, mas por que alguns passam. É disso que vamos falar hoje.
Alguns relatos soltos
A descrição dos pais do Gonçalo, de quatro anos, é sugestiva. É uma criança sozinha. Vive no seu mundo. Tem uma enorme dificuldade em fazer amigos porque está sempre metido consigo próprio. Muitas vezes não responde quando o chamamos.
A maioria das vezes não olha directamente para nós e parece focar algo no infinito. E sorrir, isso só por milagre. Parece não ter interesse nas brincadeiras das outras crianças e tem uma enorme dificuldade em comunicar com elas. Muitas vezes, tenho a sensação de que não o faz de propósito, simplesmente não é capaz de estabelecer contacto com outras pessoas. Não temos dúvidas que, para ele, a qualidade de um relacionamento é incomparavelmente mais importante que o número de amigos.
A Catarina, de cinco anos, sempre teve dificuldades na linguagem. Com um ano de vida ainda não palrava. Pelos dezoito meses ainda não dizia uma única palavra e aos dois anos, quando as restantes crianças da escola já se faziam entender razoavelmente, ela ainda apenas repetia os sons. Chegada aos três anos não consegue construir frases com mais do que 3 palavras e por isso não é capaz de comunicar de forma eficaz com os seus colegas ou irmãos.
A mãe da Rita anda desesperada pois a sua filha não consegue evitar fazer repetidamente movimentos de rodar as mãos uma sobre a outra, como se de um tique se tratasse. Para a Rita, tudo deve obedecer a regras precisas.
A forma como se veste, ou como se despe, aquilo que deve ser o seu pequeno-almoço, o local dos móveis do seu quarto ou a forma como os livros estão arrumados, de forma decrescente de altura, ao longo das prateleiras. Qualquer alteração a estas regras e a Rita torna-se extremamente ansiosa. Ultimamente começou a querer que a mãe vestisse sempre a mesma saia e faz birra quando a mãe veste algo diferente.
A Vera nunca foi uma criança completamente normal. Talvez aquilo que chamasse mais atenção fosse o facto de ser um pouco preguiçosa. Começou a sentar-se mais tarde, nunca gatinhou, foi necessário um longo período até se saber apoiar de pé e começou a andar quando os pais já estavam desesperados, por volta dos 18 meses.
Com 3 anos e continua a necessitar de tomar diariamente um laxante para que os intestinos funcionem correctamente. Agora, começaram a surgir os comportamentos repetitivos, a dificuldade na linguagem e a extrema dificuldade em lidar com outros, fechando-se no seu mundo.
Quais as principais características de uma criança autista?
O autismo nasce com a criança, mas pode ser aparente em diferentes idades, consoante a gravidade e a profundidade das suas manifestações. Alguns pais notam alguns sinais ainda no primeiro ou segundo ano de vida dos seus filhos, e na maioria dos casos o autismo torna-se evidente antes da criança ter atingido os três anos de idade.
É uma doença contínua, sem volta atrás. A partir do momento que se manifesta a criança vai ficar com ela para toda a vida.
As suas principais características são uma grande dificuldade em desenvolver relações sociais com outras crianças ou adultos, enormes dificuldades na comunicação com os outros e a existência de comportamentos limitados e muito repetitivos.
Fisicamente, pelo contrário, são crianças com uma aparência completamente normal e saudável. A incapacidade em desenvolver as relações sociais é uma das marcas características da criança autista.
A incapacidade em desenvolver as relações sociais é uma das marcas características da criança autista. A criança vive como que fechada no seu mundo e não entende que outros possam ter um ponto de vista ou uma opinião diferente da sua.
O desenvolvimento da linguagem está sempre comprometido nestas crianças e cerca de metade delas nunca chegam a desenvolver uma linguagem que lhes permita a comunicação essencial para o dia-a-dia. Mais grave ainda, uma em cada dez destas crianças nunca chega a desenvolver a linguagem de todo.
Todas estas crianças apresentam comportamentos estereotipados, sem objectivo definido, como movimentos de lavar as mãos, rodar a cabeça, ou abanar o corpo lentamente. Estes movimentos surgem repetidamente e continuamente, principalmente em situações em que a criança se sente sob stress.
Algumas crianças têm igualmente comportamentos obsessivos como o de arrumar os seus brinquedos sempre da mesma forma, e uma enorme resistência à mudança seja nos hábitos, nas roupas ou na decoração do seu quarto. Muitas vezes, apenas se interessam por uma característica de um objecto, ignorando por completo as restantes.
Que outros problemas podem apresentar as crianças autistas?
Para além das características principais de que falámos atrás, a criança autista pode apresentar muitos outros problemas, incluindo dificuldades motoras com atraso na aquisição de algumas competências como o sentar, gatinhar ou andar.
Algumas crianças apresentam problemas alimentares, recusando sistematicamente alguns alimentos ou apenas comendo outros, sendo extremamente selectivas e levando os pais ao desespero.
Também os problemas com o sono são mais frequentes nestas crianças, principalmente a dificuldade em adormecer, acordarem muitas vezes durante a noite e a facilidade com que acordam, ainda de madrugada, prontas para um novo dia.
Se bem que a maioria das crianças autistas sofra de algum grau de atraso mental, algumas desenvolvem capacidades extraordinárias em algumas áreas como a música, as artes ou a matemática.
Cerca de um quarto das crianças autistas desenvolve epilepsia nos primeiros anos de vida ou, mais tarde, durante a adolescência.
Metade destas crianças apresenta também uma obstipação crónica com necessidade de tomar regularmente um laxante para que os seus intestinos funcionem de forma adequada.
Porque surge o autismo?
Há décadas atrás, alguns defendiam a teoria que as crianças se tornavam autistas por receberem pouco carinho das suas mães. Poucas teorias terão sido tão cruéis para muitas mães, incapazes de lidar com a situação de terem um filho autista e serem ainda responsabilizadas por isso.
Hoje sabemos que a causa do autismo está, esmagadoramente, nos genes. Em mais de 90% dos casos são alterações genéticas que provocam esta doença. Estas alterações genéticas são complexas e mais de vinte genes já foram implicados.
Isto significa que, ao contrário de outras doenças genéticas em que apenas um gene está danificado, na criança autista são muitos os genes que funcionam defeituosamente, nem sempre os mesmos em crianças diferentes, tornando difícil o diagnóstico mesmo com as tecnologias genéticas mais sofisticadas.
A maior parte destas mutações genéticas surge por acaso, por erro da natureza. Isto significa que são variações genéticas que surgem na criança, mas que não existem nos seus pais.
De uma forma geral, em cada cinco crianças autistas, quatro são rapazes. Não sabemos o porquê desta relação, mas é um facto que a maioria das doenças mentais com atraso de desenvolvimento em crianças ocorre com maior frequência no sexo masculino.
Na criança com autismo, muitas das zonas cerebrais não funcionam correctamente. Esta doença não afecta uma zona particular do cérebro da criança mas diferentes áreas em simultâneo.
Muitas outras possíveis causas têm sido incriminadas no aparecimento desta doença, como por exemplo, a utilização de determinados fármacos durante a gravidez, mas estes casos são os mais raros e não são fáceis de provar.
A causa mais insistentemente comentada tem sido o papel das vacinas, nomeadamente a vacina tríplice para o sarampo, papeira e rubéola, que todas as crianças fazem cerca dos 15 meses. Provavelmente porque muitas vezes os primeiros sinais da doença na criança aparecem depois dessa idade. No entanto, e apesar de muitos alarmes, nenhum trabalho científico demonstrou esta possibilidade e ela continua ainda a ser uma teoria por provar.
O autismo é frequente?
Estima-se que esta doença afecte uma criança em cada mil. Mas existem outras doenças que são «próximas» do autismo e que partilham com ele algumas (mas não todas) as características que falámos atrás. É o caso da doença de Asperger ou da doença de Rett.
As crianças com doença de Asperger, por exemplo, possuem muitas características das crianças autistas, embora mais atenuadas, com uma diferença fundamental: não apresentam problemas no desenvolvimento da linguagem. Se juntarmos o autismo com estas doenças com ele relacionadas, no seu conjunto elas afectam seis em cada mil crianças.
O que fazer a estas crianças?
O primeiro passo, na presença da mais pequena suspeita, é falar com o Pediatra que habitualmente segue a criança. Se a suspeita se mantém, a criança deve ser avaliada por um Pediatra especialista na área do Desenvolvimento Infantil.
Quanto mais depressa o diagnóstico for feito e mais depressa se começar a actuar, melhores serão os resultados. O ideal seria uma criança autista ser identificada antes dos três anos. Na prática, os estudos científicos mostram que a consulta com um especialista em Desenvolvimento só ocorre por volta dos quatro anos e que o diagnóstico é muitas vezes feito apenas aos cinco anos de idade.
Após o diagnóstico estar confirmado a criança deve entrar num programa intensivo de estimulação e modificação comportamental e de desenvolvimento da linguagem. Existem já protocolos internacionais bem definidos e com resultados satisfatórios.
Esta estimulação poderá permitir à criança desenvolver algumas competências e desta forma melhorar a sua qualidade de vida. Também aqui, cada criança é uma criança e cada caso é um caso e a resposta aos programas de desenvolvimento é muito variável.
O programa de estimulação deve ser adaptado a cada criança e mesmo a cada família e não ser «cega» a sua aplicação. Não existe um programa de actuação ideal para ser aplicado a todas as crianças. Existe sim, seguramente, um programa de actuação ideal para uma criança em particular.
Trata-se de um tratamento caro, pois envolve vários especialistas e muitas horas de intervenção sobre a criança. O objectivo é tornar a criança o mais independente possível, se possível tornando-a num membro colaborante da sociedade.
O autismo tem cura?
Não se conhece uma cura para o autismo. Mas a intervenção psicológica e comportamental podem ter um efeito muito benéfico nestas crianças.
Não existem medicamentos que possam curar esta doença, mas alguns fármacos podem ser utilizados quando estão presentes algumas manifestações como a agressividade, depressão, ansiedade, hiperactividade ou convulsões. Nenhum medicamento, no entanto, consegue curar o autismo, nomeadamente as dificuldades em estabelecer contactos sociais ou em desenvolver a linguagem.
Qual o futuro para estas crianças?
Tudo depende da gravidade das manifestações. O autismo não é uma doença simples e pode revestir-se de muitas formas, umas mais graves, outras mais leves. Umas com mais dificuldades na interacção social, outras com predomínio dos movimentos repetitivos. Nuns casos com alguma linguagem, noutros sem capacidade de comunicar.
A evolução é imprevisível e com a idade algumas crianças agravam os seus sintomas enquanto outras melhoram. Provavelmente porque se trata de uma doença com diferentes graus de gravidade, podendo envolver diferentes grupos de genes e dependendo da idade em que as intervenções começam a ser feitas.
Para os casos mais graves, a vida independente é impossível. Mas existem muitos casos mais suaves de crianças que conseguem frequentar a escola no ensino regular e adultos autistas vivendo com alguma independência seja em centros comunitários ou hospitais residenciais, seja mesmo em suas casas. O número destes casos tem vindo, graças a uma intervenção cada vez mais precoce, a aumentar.
Em conclusão
O autismo é uma doença grave pelas consequências que representa para a criança e sua família. As suas características fundamentais são a incapacidade em estabelecer contacto com outros, dificuldades na linguagem e comportamentos estereotipados e repetitivos. Não tem cura mas muito pode ser feito se um programa de estimulação psicológica e da linguagem for iniciado precocemente.
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